Na década de 50 vivia na fronteira com a Bolívia, na cidade
São Luiz de Cáceres Dona Graciosa
professora de História do Colegial na Escola Pública. Tinha uma estrutura
forte, era alta e uns quilos a mais. Diziam seus alunos que era muito
competente no que lecionava. Era pianista clássica mas apreciava muito as
músicas populares como a italiana o Sole Mio e a brasileira Pombinha – “ lua,
quando amanhece o dia no meu rincão...”. Quando eu a via na rua, era sempre de uma elegância
inquestionável: roupas, sapatos e bolsas, tudo combinando, oriundos do Rio de
Janeiro. Cabelo penteado em um coque perfeito.
Dona Graciosa era carioca, a família de seus pais –
falecidos - morava toda no Rio de
Janeiro, naquela época, capital do País.
D. Graciosa, conheceu o General Alfem no Rio de Janeiro. Foi amor à primeira vista e
se casaram. O Gal. Alfem, era viúvo e
morava em Cáceres.
O general Alfem do seu primeiro casamento tinha 4 filhas,
casadas com senhores riquíssimos, pecuaristas no Pantanal e produtores de
cana-de-açucar e que moravam em mansões lindíssimas, em São Luiz de Cáceres.
O general Alfem ,
levou D. Graciosa para Cáceres e moravam numa casa grande, antiga, com grande
quintal, no centro da cidade onde se congregava a elite social. Tiveram
uma única filha, moça feita que estudava
no
Rio de Janeiro.
O general sofreu um AVC e faleceu. Dona Graciosa ficou sozinha e alternava as férias escolares, ora ela indo ao
Rio de Janeiro, ora a filha vindo a casa dela.
A casa de D. Graciosa
era vizinha da casa do Engenheiro Dr. Armando e D. Diva, onde morávamos, após a minha mãe
ficar viúva e prestava serviços de jardineira. Morávamos numa casinha
composta de 2 quartos, varanda,
cozinha e banheiro.
Havia ali uma área imensa do tamanho de um campo de futebol e um
pomar rico com goiabeiras, laranjeiras, lima de umbigo, ata ou
fruta de conde, era como se fosse
um pequeno sítio para mim. Mas o terreno era protegido por um muro alto.
Meu irmão e eu,
estávamos na idade de frequentar a Escola e nós estudávamos na parte da manhã e
na parte da tarde após fazer o dever, ajudávamos a mamãe a regar as plantas no
jardim e brincávamos de tudo ,com as crianças da vizinhança... Como era bom !!!
A tardinha, D. Graciosa tocava ao piano “O sole mio”,
“Pombinha”..., e eu me deleitava com o
som melodioso que escutava na varanda, em minha casa.
Como eu disse, o muro que dividia as casas era alto. Próximo
ao muro, existia um pé de manga rosa deliciosa e eu, na curiosidade infantil de meus 7 anos,
um dia, subi nela para espiar a casa da
vizinha cantante.
Fiquei perplexa com o que vi... D. Graciosa vivia em meio a
uma sujeira de espantar qualquer um que gostasse de um mínimo de organização e
limpeza.
Ela criava no quintal: galinhas, pintinhos, galos, patos e
porcos... e a cozinha e copa, era a continuidade de seu quintal, onde os
animais entravam e saiam na maior liberdade.
Eu vi em cima do Piano, em uma sala contígua à cozinha, pratos com
sobras de comida onde os galos e galinhas subiam e comiam com avidez.
Os porcos, vinham disputar as migalhas que caiam no chão.
Cáceres, fica às margens do rio Paraguai e é muito quente. A temperatura oscila entre 30 e 40° C, à sombra.
Com tanto calor, aliada à obesidade da D. Graciosa, percebi
que ela estava usando uma anágua de tecido de algodão transparente. Os seus
seios, livres de soutien, estavam a
mostra e esparramavam-se sobre a sua grande barriga fofa e protuberante...
Ao vê-la daquele jeito
fiquei estarrecida porque a D. Graciosa que eu via na rua com tanta
elegância, se desnudava em sua casa e se transformava em uma pessoa diferente
daquela que se apresentava nas ruas: sempre, elegante e sóbria.
D. Graciosa, era uma mulher feliz, além de tocar piano, cantava
... Com a filha bem encaminhada na vida,
ela, exercia sua profissão, e vivia em
sua casa com toda liberdade, sem ter ninguém para dar satisfações de seus atos
e assim prosseguia...
A filha de D. Graciosa ia se casar com um carioca e o
casamento seria realizado na casa dela. Como as enteadas de D. Graciosa conheciam
a casa da madrasta, e preocupadas com a situação domiciliar dela, resolveram de
comum acordo promover uma Reforma na
casa , arcando elas mesmas com o
dispêndio financeiro...
Seriam convidadas para o casamento todas as pessoas ilustres
da cidade e a casa da querida madrasta deveria fazer jus às enteadas ricas.
Assim que num dia aprazado , as enteadas, foram à casa de D. Graciosa para falar desse
plano... D. Graciosa aceitou a
cordialidade e generosidade das enteadas...
Transferiu-se para a casa de uma delas e se iniciou a
reforma.
A casa foi toda
reformada, pintada, ficou como nova. As enteadas compraram objetos de uso pessoal, utensílios,
roupas de cama e banho, mobílias novas, etc...
O Piano de D. Graciosa era antigo e tinha um som espetacular, que ela herdou de sua mãe
pianista... O carinho de D. Graciosa
pelo seu piano era o mesmo carinho dela para com os galos, patos e galinhas, que perambulavam alegremente pela casa dela, antes da reforma.
O quintal foi estruturado, galinheiro com poleiros para os galos, galinhas e
pintainhos. Chiqueiro para os porcos e porquinhos, um cercado com lagoinha para
os patos e patinhos... um luxo, de quintal e de casa para D. Graciosa.
A festa de casamento foi um sucesso com buffet e tudo que a
noiva tinha direito e muito mais e o casal feliz, voltou para o Rio de Janeiro
onde moraria e teria lá os seus filhos, netinhos para D. Graciosa.
Mas D. Graciosa, tinha arraigado em si, seus hábitos e
costumes domiciliares...
Liberou o galinheiro, o poleiro, o chiqueiro e escancarou as
portas de sua nova copa- cozinha para
seus companheiros e amigos animais...
Num sábado a tarde, convidei a galerinha e
subimos no pé de manga rosa .
Constatamos que a casa estava linda, mas para nossa frustração, D Graciosa e seus companheiros animais, lá
estavam – na sujeira - tranquilos, como
se nada tivesse acontecido...
Criança ainda naquela época, guardei na memória tudo o que aqui escrevi, e
não sem recordar as lembranças maravilhosas da minha infância...
Quando adulta, cheguei à conclusão de que o importante na
vida é ser feliz! É amar e perdoar as
ofensas ... Não importa as circunstâncias onde nos encontremos, e que antes de julgar os outros, devemos olhar
para nós mesmos e perguntarmo-nos: Eu sou feliz?
A felicidade está em mim, como está em você. É o mesmo Deus, que tudo realiza em nós,
distribuindo a cada um de nós, os seus dons, conforme a sua vontade, nos
diz São Paulo em 1 Cor 12,11.
Cada um de nós , é especial para o Senhor: eu, você, D.
Graciosa...
Mesmo que ainda não O
conheçamos, mesmo que não tenhamos intimidade com Ele, Ele nos fez indivíduos,
únicos, filhos muito amados e queridos!
A Regra de Ouro para a felicidade é muito simples, porém
profunda: “Tudo aquilo, portanto, que
quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei...”,
disse-nos Jesus, o filho amado de Deus. Mateus 7,12 .
Conhece
a música desta letra? Então, cante comigo:
“ Eu
sou feliz porque meu Cristo quer (bis).
Felicidade não é coisa qualquer:
Eu sou feliz porque meu Cristo
quer! ”
Brasília, 10 de junho de 2014
Ana Miranda Bessa e Djalmir Bessa