Àqueles que já estão mais vividos, como eu, onde muitos
dos fatos dos quais se lembram, aconteceu
no século passado, os que aconteceram neste século também me lembro,
sinal de que minha memória está ótima, pela graça de Deus.
Sempre me vêm à lembrança os meus professores que tive na
época que cursei o ginásio e em seguida o científico ( era assim a estrutura do
ensino na década de 1950) , no Ginásio Estadual de Goiânia.
Os professores marcam as nossas lembranças quando são exigentes ou ainda quando são
competentes. Entre alguns desta fase de minha vida lembro-me do professor de
Literatura Brasileira, o professor Oliveira. Era uma figura muito calma , já
meio entrado na vida, a careca já aparecendo, mas profundo conhecedor da matéria
que ensinava. Portanto era competente, mas não exigente...Tinha uma maneira
toda especial de ensinar e cativar, sabia despertar nos alunos, falo por mim, a
curiosidade de aprender e saber admirar os grande escritores e poetas da nossa
História.
Além do mais, preocupava-se com a pronúncia certa das
palavras, sem os cacofonismos e a lei do
menor esforço, característicos da cultura popular das terras goianas .Onde você,
pronunciava-se ocê ; para você , procê; com você , cocê e assim falava-se e até
escrevia em certas camadas do extrato social goiano. Mas não cairia muito bem
para aqueles que estavam se preparando para os vestibulares das faculdades e universidades .
Nesta qualidade é que minha
admiração e respeito pelo professor Oliveira se destaca.
Uma vez por semana era o dia da leitura. Escolhia um
autor, geralmente poeta, e chamava um ou dois dos alunos para fazer a leitura
do poema.
Ensinou-nos a pronunciar as palavras corretamente, destacando os
esses, os erres, os eles, e obedecendo rigorosamente a pontuação, e importante,
dando ênfase naquilo que se lia.
Postura e compostura . Recomendava o professor Oliveira.
Num certo dia da leitura, o professor Oliveira nos
surpreendeu, pois ele mesmo, em vez de
ler, resolveu, ele mesmo, sim ele mesmo, declamar uma poesia.
Levantando-se de sua cadeira, atrás de uma escrivaninha e postando-se na
frente dos alunos, declamou com sua voz profunda e clara uma joia da literatura brasileira, do poeta
pouco conhecido da maioria dos brasileiros, Ricardo Gonçalves .
A classe o escutava em silêncio respeitoso, a declamação
da “ A Cisma do Cabloco e ao final as
palmas brotaram naturalmente e todos com um sorriso na face, fomos cumprimentar
aquele professor competente mas não exigente.......
Durante a batalha da vida, nas lutas muitas vezes
perdidas, algumas ganhas, nos esquecemos
destes momentos marcantes da nossa juventude. Algumas vezes nos vêm
vislumbres, lembranças tênues e esmaecidas daqueles
tempos que não voltam mais...
Mas , toda vez que penso ou falo em poesia lembro-me da “
A Cisma do Caboclo" , que reproduzo abaixo, para apreciação daqueles que não a
conhecem e recordação daqueles que a conhecem.
A
CISMA DO CABOCLO
Cisma o
caboclo à porta da cabana.
Declina o
sol, mas, rúbido, espadana
Ondas fulvas de luz.
No terreiro,
entre espigas debulhadas,
Arrulham,
perseguindo-se a bicadas,
Dois casais
de pombinhos parirus.
A criação de
penas se empoleira;
Come a ração
no cocho da mangueira
Um velho pangaré.
E uma vaca
leiteira e bois de carro
Pastam junto
à casinha, que é de barro,
Coberta de sapé.
Longe, uma
tropa trota pela estrada.
E a viração
das matas, impregnada
De perfumes sutis,
Traz dos
grotões, que a sombra, lenta, invade
O soturno
queixume de saudade
Das pombas juritis.
Cisma o
caboclo. Pensa na morena
Que vira
numa noite de novena
Orando ao pé do altar.
Que vira...
e que, por mal de seus pecados,
Tinha os
olhos profundos e rasgados
E um riso de matar.
Branco, de
fofos, era o seu vestido.
E ele, ao
vê-la, sentindo-se ferido
Em pleno coração,
Baixinho
suspirou: "Nossa Senhora!
Ai, meu São
Bom Jesus de Pirapora
Da minha devoção!"
Depois não
se conteve e, num fandango,
Furtou-lhe
um beijo aos lábios de morango
O diabo do rapaz .
E ela volveu
zangada: "Malcriado!
Seu vigário
já disse que é pecado.
Aquilo não se faz!..."
E o caboclo
medita. O sol em chama
Como agora há pouquinho não derrama
Ondas fulvas de luz.
O córrego
soluça, a noite desce,
E vem dos
capoeirões onde anoitece
O trilo vesperal dos inambus.
Ricardo Mendes Gonçalves — pseudônimos: Ricardo
Gonçalves, Bruno de Cadiz, D. Ricardito. Poeta, tradutor, jornalista,
nasceu na capital do Estado, a 8 de agosto de 1888. Formou-se pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, em 1912. Orador e jornalista; fez 'parte
do famoso grupo do "Minarete" de Monteiro Lobato. Faleceu no dia 11
de outubro de 1916.
Bibliografia: "Ipês" — São Paulo —
Monteiro Lobato & Cia. — 1921.
Ana Miranda Bessa e Djalmir Bessa.
Brasília, 05 de junho de 2014
Esse professor deve ter feito a diferença na vida de muitos...
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