Essa estória retrata a seca que assolou o nordeste da Bahia
nos finais do século XIX. A vila de Nossa Senhora da Conceição de Coite, hoje
cidade Conceição de Coité, retrata as lutas, alegrias e tristezas de suas
valentes mulheres heroínas. A época é verdadeira, a vila é verdadeira, os
personagens são da cabeça e do coração do autor.
Capítulo I
DAMIÃO, UM HERÓI DESCONHECIDO
A seca voltara a castigar o norte da Bahia. Repetia-se os
trágicos acontecimentos dos meados do século XIX. No final deste mesmo século, ela estava de volta, parece mais brava ainda.
Era o que pensava Damião, sentado num pequeno banco na porta de sua casinha de pau a pique.
Era madrugada e ele viera para fora da casa para aproveitar
o ar fresco da madrugada e pensar no que fazer, para escapar daquela situação
terrível que se apresentava. A vontade de ir embora aumentava. Os seus dois cachorrinhos,
abanando os rabos, Valente e Vale, vieram deitar aos seus pés.
Sua companheira e esposa ainda dormia. Casara-se há pouco tempo com a
Creusantina, na igreja Nossa Senhora da Conceição na pequena vila Conceição do
Coité, onde os pais de ambos moravam há
muitos anos.
Seus avós e seus pais, já falecidos, aprenderam com sofrimento a lidar com este flagelo: a
seca.
Transmitiram uns aos outros a sabedoria de como enfrentar esta mazela. Principio
de toda e qualquer atividade humana : prevenir, tanto para o bem, quanto para o
mal.
Agora era a vez do mal, pensava o Damião, que estava
chegando, mas prometia ser demorado e avassalador. E Damião estava prevenido?
Sim, dentro das limitações da região onde morava.
Aprendera a não criar gado, nem boi, nem vaca. Essa criação
não suporta por muito tempo a seca. É a que perece primeiro. Adotara criar
bodes e cabritos como seus pais.
Ele mesmo fora criado com leite de cabra e
achava que por isso era mais forte do que muitos seus conterrâneos. Galinhas,
sim, de preferência as africanas d’angola, que devoram tudo, até animais e insetos
peçonhentos. Também já vira elas disputarem as fezes dos bodes e das cabras.
Em épocas de seca, bodes
e cabras alimentam-se de mato seco, folhas da árvores, casca das árvores e até
sobem nelas .Ele já vira até cavarem o chão à procura de raízes do que fora
alguma erva: se venenosa ou não, não tinha importância, nada faz mal a estes
animais abençoados.
Cavalo? Nem queria saber deles. Somente jegues. Os seus eram da raça Pega. Machos castrados. Capados, viviam sossegados, sempre beirando a
casa. Possuía três. Dois que eram seus e o terceiro viera quando a sua amada e
querida Creusantina mudara para sua
casa.
Nunca, depois de amansados e castrados,
negaram a sela ou a cangalha. Eram dóceis e obedeciam com facilidade os
comandos em forma de pequenos assobios que Damião com paciência os treinara.
Naquele momento ele escutava os primeiros sinais da
natureza ao amanhecer junto ao blen - blen - blen das sinetas que estavam atadas
aos pescoços das cabras e do bode garanhão que pastoreava o pequeno rebanho.
Retornavam toda a tarde para o curral em busca de água e um punhadinho de milho
que era dado para eles manterem este costume.
Água.... Damião, aprendera a cavar poço, o que fazia muito bem,
ajudado por seus vizinhos... Não era de muito boa qualidade, mas dava para matar
a sede, inclusive das criações.
Mas o que Damião comia, além de um cabrito que sacrificava uma vez
ou outra ? Ovos e uma galinha D’angola, rapadura, farinha, mandioca. Feijão estava
escasso, arroz nem se fala. Trocava cabrito por estes. Nisso ele era
esperto. Sabia negociar.
Mas como era difícil achar os ovos destas galinhas e mesmo
pegá-las ! Sim, mas ele contava com a ajuda de seus dois vira-latas, pequeninos, magrinhos por natureza mas,
bons caçadores e guarda da sua casa !
Como é mesmo o nome deles? Perguntara certa feita a
Creusantina quando ainda namoravam...
Bem, o pretinho é Valente e o marronzinho é Vale, respondeu
Damião.
Mas que coisa gozada Damião. Vale? Exclamou a Creusantina!
Brasília-DF, 14 de novembro de 2014
Djalmir Bessa
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