19.2.15

PROFESSOR E PROFESSORES

Àqueles que já estão mais vividos, como eu, onde muitos dos fatos dos quais se lembram, aconteceu  no século passado, os que aconteceram neste século também me lembro, sinal de que minha memória está ótima, pela graça de Deus.

Sempre me vêm à lembrança os meus professores que tive na época que cursei o ginásio e em seguida o científico ( era assim a estrutura do ensino na década de 1950) , no Ginásio Estadual de Goiânia.

Os professores marcam as nossas lembranças  quando são exigentes ou ainda quando são competentes. Entre alguns desta fase de minha vida lembro-me do professor de Literatura Brasileira, o professor Oliveira. Era uma figura muito calma , já meio entrado na vida, a careca já aparecendo, mas profundo conhecedor da matéria que ensinava. Portanto era competente, mas não exigente...Tinha uma maneira toda especial de ensinar e cativar, sabia despertar nos alunos, falo por mim, a curiosidade de aprender e saber admirar os grande escritores e poetas da nossa História.


Além do mais, preocupava-se com a pronúncia certa das palavras, sem os cacofonismos  e a lei do menor esforço, característicos da cultura popular das terras goianas .Onde você, pronunciava-se ocê ; para você , procê;  com você , cocê e assim falava-se e até escrevia em certas camadas do extrato social goiano. Mas não cairia muito bem para aqueles que estavam se preparando para os vestibulares das faculdades e  universidades .

Nesta qualidade é que minha admiração e respeito pelo professor Oliveira se destaca.

Uma vez por semana era o dia da leitura. Escolhia um autor, geralmente poeta, e chamava um ou dois dos alunos para fazer a leitura do poema. 

Ensinou-nos a pronunciar as palavras corretamente, destacando os esses, os erres, os eles, e obedecendo rigorosamente a pontuação, e importante, dando ênfase naquilo que se lia.
Postura e compostura . Recomendava o professor Oliveira.

Num certo dia da leitura, o professor Oliveira nos surpreendeu, pois ele mesmo, em vez de  ler, resolveu, ele mesmo, sim ele mesmo, declamar uma poesia.

 Levantando-se de sua cadeira, atrás de uma escrivaninha e postando-se na frente dos alunos, declamou com sua voz profunda e clara  uma joia da literatura brasileira, do poeta pouco conhecido da maioria dos brasileiros, Ricardo Gonçalves .

A classe o  escutava em silêncio respeitoso, a declamação da  “ A Cisma do Cabloco e ao final as palmas brotaram naturalmente e todos com um sorriso na face, fomos cumprimentar aquele professor competente mas não exigente.......

Durante a batalha da vida, nas lutas muitas vezes perdidas, algumas  ganhas, nos esquecemos destes momentos marcantes da nossa juventude. Algumas vezes nos vêm
vislumbres, lembranças tênues e esmaecidas daqueles tempos que não voltam mais...
Mas , toda vez que penso ou falo em poesia lembro-me da “ A Cisma do Caboclo" , que reproduzo abaixo, para apreciação daqueles que não a conhecem e recordação daqueles que a conhecem.

                                                       A CISMA DO CABOCLO

                  

Cisma o caboclo à porta da cabana.
Declina o sol, mas, rúbido, espadana
          Ondas fulvas de luz.
No terreiro, entre espigas debulhadas,
Arrulham, perseguindo-se a bicadas,
Dois casais de pombinhos parirus.

A criação de penas se empoleira;
Come a ração no cocho da mangueira
          Um velho pangaré.
E uma vaca leiteira e bois de carro
Pastam junto à casinha, que é de barro,
          Coberta de sapé.

Longe, uma tropa trota pela estrada.
E a viração das matas, impregnada
          De perfumes sutis,
Traz dos grotões, que a sombra, lenta, invade
O soturno queixume de saudade
          Das pombas juritis.

Cisma o caboclo. Pensa na morena
Que vira numa noite de novena
          Orando ao pé do altar.
Que vira... e que, por mal de seus pecados,
Tinha os olhos profundos e rasgados
          E um riso de matar.

Branco, de fofos, era o seu vestido.
E ele, ao vê-la, sentindo-se ferido
          Em pleno coração,
Baixinho suspirou: "Nossa Senhora!
Ai, meu São Bom Jesus de Pirapora
          Da minha devoção!"

Depois não se conteve e, num fandango,
Furtou-lhe um beijo aos lábios de morango
          O diabo do rapaz .
E ela volveu zangada: "Malcriado!
Seu vigário já disse que é pecado.
          Aquilo não se faz!..."

E o caboclo medita. O sol em chama 

Como agora há pouquinho não derrama

          Ondas fulvas de luz.
O córrego soluça, a noite desce,
E vem dos capoeirões onde anoitece
          O trilo vesperal dos inambus.

                                  
  
Ricardo Mendes Gonçalves — pseudônimos: Ricardo Gonçalves, Bruno de Cadiz, D. Ricardito.  Poeta, tradutor, jornalista, nasceu na capital do Estado, a 8 de agosto de 1888. Formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1912. Orador e jornalista; fez 'parte do famoso grupo do "Minarete" de Monteiro Lobato. Faleceu no dia 11 de outubro de 1916.



Bibliografia: "Ipês" — São Paulo — Monteiro Lobato & Cia. — 1921.




Brasília-DF, 19 de fevereiro de 2015

Djalmir Bessa








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